No inicio do ano, recebi um convite para fazer uma expedição de veleiro para a Antártida. Era um momento importante de trabalho pra mim, sabia que teria que abrir mão de alguns projetos para topar essa aventura porque seriam quase dois meses no barco. Ao mesmo tempo, sabia que nunca ia dizer não para uma oportunidade dessa, que é o tipo de viagem que nunca conseguiria fazer de férias. ]
Em apenas um mês depois do convite, já estava partindo de avião para o Ushuaia, no extremo sul da Argentina, para de lá pegar o veleiro de aço que me levaria até o Polo sul.
As informações que temos sobre a Antártida são muito rasas, e foi difícil saber a fundo o que me esperava pela frente. O que pude saber de concreto é que era o lugar mais frio do mundo, onde mais venta, com o ar mais puro e os mares mais violentos de todo o globo terrestre. Esta última informação é uma referencia à passagem de Drake, massa de água entre o Ushuaia e a Antártida, onde o Oceano Pacífico se encontra com o oceano Atlântico. Nessa passagem, as ondas podem chegar a 20 metros, e os ventos, a mais de 200km/h.
Seriam cinco dias sem ver terra pela frente e sem parar o barco. A viagem já começaria bem tensa. Toda a expedição seria gravada para um programa especial pro Canal Off. Tínhamos nove tripulantes, três deles especialistas em diferentes esportes. Pedro Oliva, fera do caiaque que salta de gigantescas cachoeiras, Marcella Witt, kitesurfista, e eu, que faço travessias longas de stand-up paddle. Não sabíamos se seria possível praticar qualquer um dos esportes, mas a intenção era essa. Time formado, partimos para a aventura!
A viagem já começou bem tensa! Realmente, o balanço do mar era enorme, o que fez com que quase todos passassem mal. Logo nos quatro primeiros dias, devo ter emagrecido uns 3kg. As ondas às vezes passavam por cima do barco, e eu dormia com minha cabeça batendo na cama de cima.
Depois desses longos primeiros cinco dias, avistamos pela primeira vez o continente gelado. Depois de tanta dificuldade, olhar aquela imagem me fez chorar. Era uma grandiosidade inexplicável! Golfinhos e baleias nos acompanharam até vermos o primeiro iceberg gigante (não foi difícil imaginar como o Titanic afundou batendo em um deles): são enormes blocos de gelos que flutuam no meio do mar e que podem chegar a ter a altura de um prédio de 20 andares.
O frio era insano (a temperatura variava entre 0 graus 10 graus negativos) –mesmo com quatro meias de lã, camadas de roupas térmicas e uma roupa especial por cima, nosso corpo parecia trabalhar o tempo inteiro para nos manter aquecidos. Além disso, o racionamento de água no barco fez com que ficássemos 10 dias sem tomar banho –então imagina que nos mais de 20 dias em que fiquei por lá, tomei apenas dois banhos. Tanto frio e tanto vento me faziam acreditar que não iria conseguir nunca remar de stand-up por aquelas águas. Depois de pisar pela primeira vez no continente, ver pinguins, focas, leões marinhos e pássaros gigantes, pensei que não poderia ir embora daquele lugar sem remar perto desses animais. Com uma roupa especial, pude remar entre icebergs, ao lado deles todos e ainda fui premiada com uma remada ao lado de três baleias gigantescas. A preocupação em não cair naquele mar gélido não era maior do que a vontade de estar perto daqueles animais –-me senti parte daquela natureza selvagem.
Via avalanches a 30 metros de mim, ventos fortes, neve, tempestades, animais agressivos e pude sentir a força da natureza naquele lugar. Meus companheiros de viagem completaram cada um a sua missão naquele lugar incrível. O que posso dizer é que é uma viagem para bravos. É preciso não só preparo físico como psicológico para aguentar as provas extremas do lugar.
Foram 25 dias na Antártida e depois mais 20 nos fiordes chilenos, no estremo sul da Patagônia. Essa segunda parte da viagem fica para um próximo post.
Se você quiser ir algum dia pra Antártida, existe a opção de dos cruzeiros de luxo, obviamente uma viagem bem turística e mais confortável. Também é possível contratar capitães experientes e ir de veleiro, mas o preço é bem elevado e é preciso bastante disposição para aguentar os perrengues e perigos de uma viagem dessas. No entanto, posso te dar certeza de que você se tornará outra pessoa e viverá a experiência mais surreal da sua vida.
Carioca, Karina Vela trabalha como consultora de estilo para grifes, é artista plástica, multiatleta e viaja o mundo como apresentadora do Canal Off.