*Por Mauro Chasilew, ultramaratonista
A Brazil 135+ é uma das ultramaratonas mais difíceis do planeta. Ponto final. A dureza da altimetria, a distância, o terreno, o sol e a chuva e todas as variáveis envolvidas nessa prova fazem da BR 135+ uma das minhas provas prediletas.
Também foi lá que comecei nas ultramaratonas. Então, obviamente, tenho um grande carinho pela prova, seus organizadores e pelos muitos amigos que fiz ao longo das 11 edições que, desde 2007, tive a honra de correr.
A corrida é pela Serra da Mantiqueira, entre Minas e São Paulo, numa rota de peregrinação, tipo o Caminho de Santiago, conhecido como Caminho da Fé.
Neste ano, como tive dificuldades em montar minha equipe de apoio, solicitei ao Mario Lacerda, comandante da prova, junto com sua esposa Eliana, que me autorizasse correr na categoria Survivor (sem apoio).
A organização extinguiu essa categoria com a intenção de proporcionar mais segurança aos atletas. E cuidado e segurança têm sido sempre grandes preocupações dos responsáveis pela Brazil 135+.
Ponderei com o Mario que tenho feito ultramaratonas e corridas de aventura sem apoio ao longo dos anos e que estou acostumado a essas condições. Finalmente, após minha insistência, fui autorizado a correr solo, sem apoio.
Mesmo estando na categoria Survivor, era permitido receber auxílio das equipes de apoio de outros corredores e comprar coisas na cidades por que passássemos.
Tive direito a alguns drop bags e encontraria as bolsas a cada 42km, mais ou menos. Ou seja, ao final de cada maratona. Logo, eu deveria ter um planejamento para saber o que colocar em cada uma delas. Abaixo, a planilha que montei com as distâncias entre as cidades e, em azul, os locais onde encontraria cada uma das drop bags.
Neste ano, a prova passou por um desafio extra: o Mario e a Eliana não puderam estar presentes. Assim, foi definido um grupo para coordenar a prova.
No briefing, além das orientações gerais, foi entregue um troféu para quem completou a Brazil 135+ dez vezes seguidas. Uma emocionante surpresa!
No dia seguinte, às 8h, a largada. As duas primeiras maratonas foram devoradas com relativa tranquilidade. Encontrei vários amigos, e tivemos a oportunidade de correr ou andar juntos por um bom tempo, botando o papo em dia. Foi assim com o Roberto Nahon e equipe, o Raphael Bonatto e mais uma galera.
Por volta do km 90, passei a sentir dores muito fortes nos dois tornozelos e decidi fazer minha primeira parada para descanso. Já era tarde da noite, parei em um posto de gasolina e pedi para deitar em um daqueles boxes de troca de óleo. Tomei um remédio e dormi por 40 minutos, imaginando que a dor fosse ceder.
Infelizmente não diminuiu e passei a ter dificuldades para correr. Estabeleci que iria correr por um tempinho, andar, correr, andar, correr, andar… E assim consegui manter um ritmo razoável de deslocamento.
Quando cheguei em Estiva, por volta do km 170, a organização tinha disponibilizado uma cama para que os atletas pudessem descansar. Comi um pouco de sopa, fui auxiliado pelo amigo Anibal e dormi mais 40 minutos. Naquele exato momento, desabou o mundo com uma tempestade! Para terem uma ideia, a foto do Nahon com a Katia nesse momento:
Ao acordar, lá estava outro amigo, o Davi, fisioterapeuta e corredor, que cuidou de minha lesão e fez com que eu pudesse seguir melhor na prova, com menos dores.
Ao passar pela Serra do Caçador, lá no alto, encontrei um filhote de cachorro que começou a me seguir. Vinha comigo, chorava um pouquinho, recebia um carinho e continuávamos.
Depois de um tempo, achei que ele deveria estar com fome e sede. Eu estava com pouca água e comecei a colocá-lo junto às poças do caminho. Tentei dar uma comida um pouco mais natural para ele, mas não deu certo: definitivamente ele não gostava de cenouras! Então, para a alegria do cãozinho, dei para ele pé-de-moleque.
Esperava que Zava, o nome dado por mim ao meu novo parceiro de prova, iria ficar em Consolação, a próxima cidade. Não foi o que aconteceu, e ele partiu comigo, em direção a Paraisópolis.
Naquele trecho, Zava começou a chorar mais e parou. Preocupado com o que pudesse acontecer com meu novo amigo, passei a carregá-lo no colo.
Ao chegar em Paraisópolis, resolvi dormir mais 40 minutos. Zava também dormiu, e quando parti para a última maratona, ele continuava completamente apagado e por lá ficou, junto do local onde estava o Posto de Controle da organização.
Só faltava uma maratona (só?!). Mas, naquele trecho fica a Serra do Quebra Perna. Com esse nome, não pode ser maneiro. E o sol estava de rachar.
Agora era seguir para finalizar mais essa Brazil 135+. Ainda contei com a ajuda da galera da organização, que passou de carro e me ofereceu um magnífico café da manhã, com pão e Coca-Cola. Depois, ainda encontrei outro amigo das antigas, o Luiz Lacerda, que estava fazendo apoio para o Kaverna, e me deu Guaraná e água com gás. E lá fui eu.
Quando estava a poucos quilômetros da chegada, no Pesqueiro da Montanha, próximo a Campos do Jordão, comecei a correr mais forte. Era muito alegre estar terminando mais esse desafio. Com quase 54h, cheguei. Clicando aqui neste link, você pode ver o vídeo da chegada, feito pelo irmãozão Antonio.
Novamente, a Brazil 135+ mostrou como e por que as ultramaratonas são tão interessantes. Estão presentes a cordialidade entre atletas e suas equipes de apoio, a alegria, as dificuldades, as incertezas, os imprevistos, a superação e mais uma lista interminável de situações que podem ser comparadas às nossas questões do dia a dia.
Mauro Chasilew é professor de Educação Física e empresário. Participa de provas longas de corrida de aventura desde 2003 e de ultramaratonas desde 2007, entre elas, a corrida de aventura na Patagônia Chilena, com 1.112km.