*Por Ana Cecilia Springefeldt, publicitária e ciclista
Portugal, especialmente o Centro, foi eleito pela revista “Condé Nast Traveller” e por seus leitores como o melhor país para se visitar em 2013. Não é à toa. O destino transborda história e autenticidade e levou séculos para ser construído. A riqueza arquitetônica, as paisagens exuberantes, os sabores e aromas típicos nos estimulam a mergulhar no passado, enquanto a inovação, o design e o fomento à economia local por meio do empreendedorismo e da criatividade nos permitem viver esta experiência de forma singular.
Imbuídos pelo espírito desbravador e com o desejo de desvendar os mistérios desta região, reunimos um grupo de amigos amantes do ciclismo, da aventura e das coisas boas da vida — comer, beber e viver — para durante oito dias pedalar pelas estradas do Centro de Portugal, enfrentar os desafios das míticas subidas das serras da Estrela, Lousã, Açor e Sicó e mergulhar totalmente nas entranhas do Portugal profundo.
A CHEGADA POR LISBOA
Ali, onde montamos as bikes, deliciamo-nos com os pastéis de Belém e nos preparamos para viajar até nosso primeiro destino, Pampilhosa da Serra, vila portuguesa a 85 km de Coimbra e a 2h30 de Lisboa. Localizada na Serra do Açor, a quinta serra mais alta de Portugal Continental, patrimônio natural português e um dos cenários da prova da qual participaríamos ao fim da jornada, a Skyroad Granfondo. O itinerário do primeiro dia teve como ponto de partida e chegada o Hotel Villa Pampilhosa, da rede www.bikotels.com, especializada em hotéis com infraestrutura para receber grupos de ciclistas. Margeando o Rio Zêzere em direção a Fajão, pedalamos por vários quilômetros, em estradas livres de tráfego e asfalto perfeito. Éramos nós, as bikes, a natureza exuberante e os cata-ventos gigantes a girar com suas pás, com um som impressionante.
A idílica e pitoresca aldeia de Fajão é encaixada numa concha da Serra do Açor, debruçada sobre a nascente do Rio Ceira, o que a faz lembrar antigos castelos. A natureza envolvente, seus gentis moradores, as ruelas e casas de xisto são elementos típicos. Os painéis de ardósia, que remetem para os “Contos de Fajão”, nos levaram ao restaurante O Paschoal, cujo proprietário, Sr. Carlos Simão, prefeito de Fajão, dono de um típico bigode português, sugeriu o que havia de mais tradicional e apetitoso: queijo da serra com doce de chila, seguido de chanfana de cabra velha e da doce tigelada.
Dali, partimos para gastar as calorias extras até nos depararmos com a impressionante Barragem de Santa Luzia. Imponente e ladeada por enormes rochedos, é uma das paisagens mais deslumbrantes da região e uma das vistas mais incríveis do percurso de Skyroad.
MÍTICA SERRA DA ESTRELA
Seja para os amantes do cliclismo, seja para os do famoso queijo, a Serra da Estrela seduz e faz sonhar. Partimos em direção a ela, passando pela Aldeia Histórica de Belmonte. Como chovia cântaros, as bikes foram para o “atrelado” e nós entramos na van. O percurso teria início ao longo do Rio Zêzere. Em Belmonte, cidade onde nasceu Pedro Álvares Cabral, o destaque é o castelo de influências góticas, manuelinas e setecentistas, além do Museu dos Descobrimentos, inteiramente dedicado ao Brasil, todo interativo e com muitos recursos audiovisuais, tecnológicos e modernas técnicas museográficas.
Após mergulhar em nossa própria história, fomos para o restaurante da Pousada Convento de Belmonte, construção do século XIII, que manteve sua herança histórica e pergaminhos tão antigos quanto a história de Portugal.
Depois de uma parada no Hotel Casa das Penhas Douradas, estávamos prontos para enfrentar a subida à Torre, ponto mais alto de Portugal Continental.
Pernas, para que te quero! Belas paisagens, fauna e flora extraordinárias, topografia de proporções colossais, riqueza humana, cultural, histórica e gastronômica fazem da Serra da Estrela um lugar único. A subida tem 18,8 km com inclinação média de 6,2% e 1.993 metros de altitude. Mas a exigência e o esforço para enfrentá-la seriam compensados com o queijo, os presuntos e o delicioso pão de centeio.
RUMO A LOUSÃ
A descida da Serra da Estrela é fluida, sinuosa e muito fria, mas cheia de surpresas! Deslizando por entre as montanhas, deparamo-nos com os pastores, suas cabras e seus imponentes cães. Encontrávamos ali algo em comum: a paixão pela montanha, pela sensação de estar consigo mesmo em meio à natureza.
No caminho, uma parada estratégica, em Alvoco da Serra, local de história, com pedras que remetem a épocas e personagens. Seja nas casas humildes dos antigos operários e dos pastores, seja nas casas mais imponentes dos proprietários, lá é notória a habilidade dos pedreiros, numa sobreposição de materiais e linguagens.
A arquitetura, a natureza abundante e uma gente amável nos conquistaram. Hora de partir para a Lousã, que, junto com as serras do Açor e da Estrela, constitui a Cordilheira Central, o mais imponente dos alinhamentos montanhosos de Portugal.
A CHARMOSA FERRARIA SÃO JOÃO
O espírito colaborativo, a interação entre os habitantes, a riqueza paisagística e cultural são evidentes em Ferraria, que se abriu para o mundo sem perder sua essência.
Os novos habitantes que têm se fixado, gerindo seus negócios ou por opção de vida, têm mudado a cara da aldeia e gerado uma nova energia, ao mesmo tempo preservando o que há de mais autêntico e genuíno. Lá, a ruralidade e o turismo criativo convivem em perfeita harmonia. Ferraria possui um número grande de currais tradicionais, um Caminho do Xisto, um Centro de Mountain Bike e um magnífico conjunto de sobreiros que podem ser adotados, projeto de maior sucesso da Associação de Moradores.
EXPERIÊNCIA ÚNICA
A chegada à Lousã foi um verdadeiro frenesi. Tudo pronto, partimos para desfrutar de uma das provas mais lindas que os participantes do grupo já haviam feito. Entre nós estavam experientes ciclistas, como o instrutor Tavinho Oliveira, com vários triatlos na Alemanha, o X-Terra no Havaí e a ultramaratona de mountain bike Brasil Ride, e a diretora de cinema e tevê Izabel Jaguaribe, com uma série de Granfondos e L’Etapes nas pernas, sem falar no Iron Man no Havaí.
Ávidos por desfrutar daquela nova experiência, naquele momento, eles tinham um só objetivo: concluir a prova de 168 km em segurança, desfrutar do percurso e descobrir o que a Skyroad tinha para oferecer. A organização impecável, a atmosfera amistosa, os cenários impressionantes e o clima ameno fizeram da Skyroad uma experiência ímpar. Todos satisfeitos e orgulhosos de ter completado bem a prova, com destaque para Izabel Jaguaribe, que faturou o 1o lugar na categoria Granfondo Master Feminino amador (180 km) e o 2o lugar geral entre todas as competidoras, voltamos a Ferraria para desfrutar de seus encantos, em especial na Casa do Zé Sapateiro.
O local, situado na mesma rua do Vale do Ninho, do outro lado da calçada, num imóvel totalmente recuperado, apresenta ambiente bem cuidado e familiar, decoração tradicional e rústica, mas cercada dos confortos modernos.
Em Ferraria, suas construções de xisto em vielas cercadas de natureza, seus sobreiros mágicos e seus personagens únicos nos proporcionaram dias de imenso prazer.
Malas prontas, partimos para a Serra do Sicó, a terra do famoso queijo Rabaçal e também do charmoso Villa Pedra, cujo nome é inspirado na tríade de vilas romanas, muito presentes na região.
Situado numa encosta, numa aldeia abandonada por mais de 70 anos, teve suas oito casas recuperadas pelos novos proprietários, que souberam preservar a base ecológica e o estilo arquitetônico do conjunto.
Ana Cecilia Springefeldt é publicitária e praticante de ciclismo de estrada e mountain bike. Ama viajar e já visitou sobre as suas duas rodas países como Espanha e Argentina. Sempre acompanhada pelo marido, o instrutor de ciclismo Tavinho Oliveira.