*Por Kátia Lessa

Foram anos e anos observando um revezamento de australianos, havaianos (sim, eles competem separadamente) e americanos no Olimpo do surfe. Até que um dia, um garoto de Maresias, litoral norte de São Paulo, passou rapidamente de novato a maior esperança brasileira rumo ao pódio. Enquanto você lê cada página deste texto, Gabriel Medina está treinando para o Pipe Masters, a etapa final do Campeonato Mundial de Surf, que acontece no Havaí de hoje (8/12) e 22 de dezembro. Ele é o mais jovem concorrente a esse título na história do esporte e o primeiro brasileiro a chegar tão longe.

Aos 20 anos, Gabriel lidera o Tour com 56.550 pontos e briga contra o australiano tricampeão Mick Fanning (53.100 pontos), vencedor em 2013, e com o 11 vezes campeão mundial Kelly Slater (50.050 pontos). Para sair vencedor, o paulista precisa apenas chegar à decisão. “Disputar contra os meus ídolos é muito diferente. Eu assistia a eles competindo ou os via na tevê e nas revistas. É uma oportunidade única”, afirma Medina.

Recentemente, ele perdeu a etapa de Portugal, na qual poderia ter sido campeão por antecipação. Saiu da água antes da hora, entrou no carro e deixou o evento visivelmente chateado. Em entrevista coletiva em São Paulo, após a etapa, ele esclareceu: “Saí alguns minutos antes, mas foi um engano. Não consegui escutar direito o tempo que restava. Achei que faltavam alguns segundos, que era a última onda, e deixei o mar mais cedo. Quando saí da bateria, minha mãe veio brigar comigo: ‘Por que saiu mais cedo? Volta lá, ainda temos tempo!’”, afirma (risos).

Colecionador de vitórias

Apesar de muito jovem, Medina sempre foi um acumulador de recordes. Com apenas 15 anos, em 2009, ele foi o mais jovem atleta da história do surfe a vencer uma prova do World Qualifying Series (WQS), antiga divisão de acesso à elite do Campeonato Mundial. Aos 16, acumulou mais pontos do que já se havia registrado na Associação de Surf Profissional (ASP), com duas notas dez em uma mesma bateria. Em 2011, ganhou seu primeiro título na elite do surfe mundial derrotando, nas quartas-de-final da etapa francesa, ninguém menos que Kelly Slater, o 11 vezes campeão mundial, que à época acumulava dez títulos.

Foi então que até mesmo quem não acompanha o esporte de perto passou a ficar atento ao menino prodígio. Ganhar de uma lenda como Kelly poderia ter sido um momento de sorte na vida do atleta, mas pouco depois, na etapa de São Francisco, o feito se repetiu com um show de aéreos que o levou às capas de revistas com chamadas como “O Iluminado”, ou “Neymar do Surf”. Era o início de uma nova era nas pranchas.

Os elogios começaram a surgir também dos próprios colegas. O australiano Mark Occhilupo, uma das maiores lendas do esporte e atual comentarista do circuito, observava durante as transmissões que ali nascia a esperança do tão sonhado primeiro título brasileiro. E o próprio Kelly Slater, à época, escreveu em sua rede social: “Parabéns pela vitória! Vai mais devagar, senão, quando chegar aos 20, você já estará aborrecido”.

Os tais 20 anos chegaram e, às vesperas de concretizar o sonho de infância, Gabriel parece aborrecido, sim, mas com o fato de ter prorrogado a possível comemoração. Em entrevista à equipe da ASP, que transmite o evento ao vivo pela internet, ele deixou claro que estava preparado para vencer: “Estou bem chateado com esse resultado, mas, agora que o Kelly também perdeu nessa etapa de Portugal, fiquei um pouco mais feliz e ganhar ou não o título nessa etapa tão importante só depende de mim. O sonho ainda está em pé. Estou pronto para o Havaí, que é muito importante, uma espécie de Maracanã do surfe”.

Trabalho em família

Basta acompanhar uma etapa do circuito para notar que Gabriel nunca está sozinho. O homem ao lado dele, durante os treinos, ou gritando na beira da água a cada bateria, é Charles Rodrigues, seu treinador e padrasto e a quem Gabriel escolheu chamar de pai. O paulistano de 42 anos, nascido no bairro nobre da Vila Nova Conceição, é ex-estudante de arquitetura da Universidade Mackenzie e seis meses antes de se formar largou tudo para abrir uma surf shop em São Sebastião. Escolheu o amor pelo surfe, investiu tudo que tinha no garoto e acabou sendo escolhido pelo destino para viver a rotina dos atletas profissionais, coisa que ele nunca foi.

Charles é sem dúvida o maior incentivador de Gabriel, desde que ele era apenas um caiçara de Maresias que, aos 8 anos, já sonhava em ser campeão mundial de surfe. Nas decisões importantes, diga-se, também estão na torcida a mãe, Simone, e os dois irmãos mais novos.

Brazilian storm

Quando não está rodeado pela família, ou vidrado no Twitter ou Instagram, Gabriel está sempre por perto dos colegas de profissão. No último ano, no Havaí, era visto com facilidade na areia brincando de pilotar drones, equipados com câmeras de filmar, ao lado dos amigos mais próximos ou nos churrascos organizados pelos brasileiros locais.

Quem acompanha o circuito sabe que ele é parte de uma nova geração de garotos brasileiros que vem abalando o mundo do esporte. Unidos, ele, Adriano de Souza, Alejo Muniz, Miguel Pupo e Felipe Toledo são conhecidos como “Brazilian Storm” (Tempestade Brasileira) e, apesar de o esporte ser individual, eles acabaram criando um vínculo importante que ajuda a fortalecer as chances de o país entrar definitivamente para a elite das pranchas.

Em comum, esses atletas têm o acompanhamento de profissionais que lhes garantem preparação física, psicológica e médica. Responsável pelos treinos de Medina, Allan Menache trabalha com o surfista desde 2011, quando Charles decidiu que era hora de focar na preparação do enteado como um atleta de alto rendimento. “Quando comecei o trabalho com o Gabriel, ele ainda estava em idade de crescimento. Por isso, ele precisava desenvolver todos os pontos físicos. Meu foco foi fortalecer a base. Isso significa aprimorar movimentos, detectar desequilíbrios, entender como ele percebia os exercícios e desenvolver capacidades físicas como força, agilidade, resistência e flexibilidade. Só depois começamos a organizar o treino dele como um atleta mais maduro”, diz Allan.

Força e velocidade

Segundo Allan, o trabalho fora do mar com Gabriel consiste em um treinamento funcional que tem como base a articulação de movimentos livres. “Ele precisa muito de mobilidade. Requer potência para ter força aliada a velocidade para conseguir executar as manobras aéreas tão altas, além de resistência para aguentar a remada. Com uma rotina cheia de viagens, o treinador trabalha em parceria com Charles, que fica responsável por cobrar a lição de casa do surfista quando ele não está no Brasil. “O Gabriel sempre teve a meta de ser campeão, mas é humilde e nunca se recusou a trabalhar duro para alcançar o que quer. Ele é disciplinado e não reclama dos exercícios”, diz. Os treinos de Gabriel variam de acordo com as etapas do campeonato. Para as disputas em Jeffreys Bay, na África do Sul, e de Teahupoo, no Taiti, eles priorizaram exercícios de força nos membros inferiores e na região central, para que ele aguentasse as ondas mais pesadas, e movimentos que trabalham o equilíbrio, por causa dos tubos.

A preparação física feita por Allan faz parte do tratamento multidisciplinar desenvolvido pelo centro de medicina esportiva Mar Azul, que conta com nutricionistas, médicos, fisioterapeutas e psicólogos. Ao contrário dos outros atletas do Brazilian Storm que frequentam o espaço, Gabriel ainda não é acompanhado pela psicóloga. “Ele tem uma base familiar muito forte e a sorte de ter o pai por perto sempre. Isso faz bastante diferença, mas acredito que depois desse Mundial seja a hora de iniciarmos um trabalho com ele também, pois a pressão só tende a aumentar”, diz Maria Lúcia Contreras, psicóloga clínica e do Esporte no instituto.

Independentemente do título neste ano, Gabriel já é o responsável por abalar o reinado do surfe, que não demorará a coroar um brasileiro: “Ganhar seria muito importante para a minha carreira e para o Brasil. Especialmente sobre o Kelly Slater, que aos 42 anos ainda briga pelo título. Estou vivendo um sonho. Estou competindo com os meus ídolos e ganhar um título em cima deles seria grande”, finaliza, confiante durante a última coletiva em São Paulo. “Vou tentar chegar lá 100% e totalmente focado. Vou treinar até a hora H. Pela minha vontade, a gente vai conseguir esse título.” Pela nossa também! Vai, Medina!