Por Camila Lima para a revista “BT Experience”

Ela é norte-americana, tem 28 anos e não importa em qual país esteja lutando. Quando sobe ao octógono, a torcida é sempre Ronda Rousey: a campeã invicta no peso-galo do UFC, categoria que reúne lutadoras de até 61 kg. Em seu confronto em agosto, no HSBC Arena, no Rio de Janeiro, não foi diferente. Depois de escutar inúmeras provocações da oponente, a paraibana Bethe Correia, Ronda subiu ao ringue e mostrou o porquê de ser considerada o maior fenômeno feminino da modalidade. A cada olhar de fúria e um golpe matador, um ginásio inteiro ia imediatamente ao delírio. Foram necessários apenas 34 segundos até a rival ir à lona. Para a brasileira, um feito e tanto. Já para Ronda, tempo demais: seus dois combates anteriores não somam nem meio minuto no ringue. Para se ter uma ideia, sua mais forte rival, a também americana Cat Zingano, foi à lona em exatos 14 segundos. Bastou uma chave de braço invertida, ponto forte de Ronda, para Zingano, sem forças, pedir arrego. De todas as lutas de Rousey, apenas uma chegou ao segundo round.

Dona de uma flexibilidade fora do comum, aliada à força e à capacidade técnica única e apuradíssima, Ronda é considerada imbatível, no sentido mais completo que esse termo pode significar. É capaz de vencer qualquer oponente, independentemente do sexo. “Ela é uma verdadeira alienígena. Pode ser que algumas pessoas achem que os homens têm mais força física do que ela, mas acredito que seria uma luta justa encarar um deles no octógono. Não conheço nenhuma outra lutadora do nível dela”, declarou, ao site do UFC, Rener Gracie, um dos treinadores de Rousey e filho de Rorion Gracie, criador da liga.

ronda

CAMPEÃ DESDE SEMPRE

Nascida em Riverside County, Califórnia, Ronda começou sua trajetória no judô aos 11 anos de idade. Nas palavras de sua mãe – a ex-judoca AnnMaria De Mars, vencedora do Mundial de 1984 na modalidade –, foi criada para ser uma campeã e superar qualquer adversidade. Muito antes de enfrentar um grande oponente no tatame ou no ringue.

Ronda costuma dizer que vidas fáceis resultam em pessoas sem graça. A dela, definitivamente, foge das duas premissas. Nasceu com o cordão umbilical enrolado no pescoço, o que impediu a passagem de oxigênio. Como sequela, teve a fala comprometida durante boa parte da infância. Até os 6 anos, tudo que conseguia era balbuciar alguns sons que somente a família era capaz de compreender. A morte do pai, Ron Rousey, também esconde um dos momentos mais tristes da história da atleta. Depois de quebrar as costas num acidente de trenó, Ron teve complicações vasculares e ficou paraplégico. Sabendo do pouco tempo que lhe restava por causa de sua condição, acabou suicidando-se. Ronda tinha 8 anos.

INFÂNCIA SOLITÁRIA

Os tempos na escola também não foram dos mais fáceis, sempre acompanhados de intensas sessões de fonoaudiologia e de uma certa solidão, fruto de sua deficiência. O esporte chegou para resgatá-la de tudo isso, assim como o amor e a inabalável assistência materna. Foi com a mãe que aprendeu sua tão temida chave de braço, uma espécie de arma letal e pesadelo de suas adversárias. “Ela me dizia que eu deveria treinar muito este golpe até chegar ao ponto de ninguém ser capaz de defendê-lo”, lembra Ronda.

Como judoca, também colecionou títulos. Entre os mais importantes estão o ouro no Pan-Americano de 2007 e o bronze na Olimpíada de Pequim, em 2008, algo até então inédito para uma americana. Se, em geral, uma medalha olímpica significa o ponto máximo na trajetória de um atleta, na de Ronda funcionou como um imenso ponto de interrogação. Na época do feito, tinha 21 anos e uma vida pela frente para decidir o que fazer. Aposentou-se do judô, tentou um curso de mixologia, a carreira de bartender. Resistiu às pressões da mãe de ir à universidade, pensou em ser salva-vidas. Mas tudo parecia muito convencional.

Em 2010, a paixão pelas lutas falou mais alto e Ronda decidiu investir no MMA, muito antes de o mix de artes marciais ser uma modalidade profissional entre as mulheres. A divisão feminina do UFC foi criada em 2012 e lá estava ela como a primeira atleta a integrar a liga e a encabeçar seu ranking, posição que ocupa até hoje.

Se a cara de má da atleta durante a pesagem pode causar calafrios, fora do ambiente profissional, Ronda se considera pacífica. “As pessoas normalmente se surpreendem, já que longe da academia sou uma garota calma e dócil”, diz. Cada uma de suas medidas e os músculos privilegiados, invejados dentro e fora do octógono, foram e são conquistados diariamente com treinos pesados. Não é fã de musculação, mas precisa da técnica para proteger suas articulações. Com 1,70 m e 61 kg, Ronda faz treinamentos bastante diversificados, mas tem como regra música em alto e bom som. Na parte da manhã, depois do café, normalmente pratica trocação (uma troca livre de golpes) ou alguma atividade de condicionamento físico. Depois do almoço e de um breve cochilo, volta a treinar as modalidades do MMA – jiu-jítsu, judô, caratê, boxe, muay thai ou tae kwon do – ou simplesmente nada. Algumas vezes, Edmond Tarverdyan, técnico da atleta, acrescenta um terceiro treino no mesmo dia, dependendo do estado físico dela. “Quando estamos treinando, não conversamos sobre nada que não seja o seu desempenho. A concentração de Ronda é total”, disse Tarverdyan ao site do UFC. Os dias de descanso são raros e até neles, normalmente, Ronda segue uma rotina. “Durmo muito, como mingau de aveia, tomo litros de café e jogo World of Warcraft”, conta.

Ronda Rousey

SUCESSO NA TELA

Se o desafio pós-medalha olímpica foi o UFC, Ronda agora tem o cinema como um objetivo futuro. Falta muito ainda para dizer adeus ao MMA, mas, como qualquer atleta, ela sabe que é preciso ter planos para o dia em que o esporte não combinar mais com sua idade. Sua estreia nas telas aconteceu no ano passado, em Mercenários 3, ao lado de Sylvester Stallone e Jason Stathan. “Fiquei muito nervosa no primeiro dia de filmagem e também na primeira cena de diálogo, mas depois de algumas horas no set consegui relaxar”, lembra. A performance da lutadora foi tão elogiada que os convites não param de pipocar. Em seu mais novo papel, em Velozes e Furiosos 7, Ronda vive uma guardiã da elite de Abu Dhabi. Contracena com Michelle Rodriguez, fã confessa da lutadora, e juntas protagonizam uma das cenas de luta mais elogiadas das sete sequências do filme. “Ela me pegou e me ergueu acima da cabeça como se eu fosse de brinquedo. Ficou conversando enquanto me segurava. Mulheres assim são simplesmente incríveis”, disse Michelle no lançamento do longa.

Ronda UFC 

O PODER DO BATOM

Quando se vê toda produzida, Ronda gosta do resultado, mas vaidade é uma palavra quase nova em seu vocabulário. Se é roubando o batom ou saltos da mãe que as meninas começam a mostrar seus primeiros sinais de feminilidade, com ela a história foi diferente. A mãe, atleta, não era de muitos frufrus. Ronda lembra de viver com o corte de cabelo joãozinho e de ser confundida nas ruas com um garoto. Hoje, reconhece o poder de um bom vestido e do batom. Tem consciência de que nada melhor que aderir a eles para ganhar mais pontos na almejada carreira de estrela de cinema. Ela também admite não ter uma mão tão boa para isso, mas confia no poder de stylists e maquiadores: seja no set, seja no red carpet, seja em um dos muitos talk shows que se tornaram rotina em sua agenda.

Ronda está também no elenco de Entourage. Faz o papel de si mesma. Se hoje é escalada porque é a melhor lutadora que as superproduções podem ter, sonha em um dia viver papéis que não necessariamente tenham a ver com o esporte que domina. Gostaria de ter sido a escolhida, por exemplo, para viver a Mulher Maravilha.

Enquanto esse dia não chega, Ronda enfrenta mais um desafio, aparentemente mais complicado do que qualquer papel no cinema ou batalhas que traz no currículo. A falta de oponentes. Pela primeira vez em sua carreira, não existem adversárias de nível semelhante para um novo confronto. Especula-se que a próxima seja a americana Miesha Tate. As duas já se enfrentaram no passado e Ronda sempre levou a melhor. Ganhou as duas vezes. Agora, é esperar para ver.