Depois de 25 dias na Antártida (leia sobre essa aventura aqui) dentro de um veleiro, voltamos em direção ao Chile. Assim como na ida, tivemos que enfrentar a passagem de Drake (mar mais violento do mundo) e paramos no histórico Cabo Horn, ilha no extremo sul das Américas conhecida por ser um marco de navegantes bravos, já que ali já naufragaram centenas de embarcações. O lugar é tão especial que você pode ter seu passaporte carimbado com um carimbo especifico de lá, apesar de fazer parte do Chile.
Assim que avistei aquela montanha de rocha perdida no oceano fiquei impressionada: é uma ilha um tanto sombria porque o mar em seu entorno é muito violento. Para desembarcar nela, você precisa ancorar numa baia mais calma, pegar o bote, chegar até uma prainha de pedras e subir uma escadaria enorme até o topo de uma montanha de rocha. Chegando ao topo, logo é possível avistar uma casa ao final de um longo caminho feito de madeira. Essa casa é habitada por um funcionário do exército chileno e sua família, que ficam ali voluntariamente apenas um ano cuidando da ilha. Ele me contou que, na semana anterior, os ventos foram tão violentos que chegaram a marcar 4 pontos na escala Richter. Deve ser uma experiência única viver durante um ano da sua vida num lugar completamente isolado do resto do mundo.
Com todos os passaportes carimbados, continuamos nossa viagem em direção a Porto Williams, uma cidadezinha no Chile. Depois de tanto tempo sem comunicação com o mundo não sei dizer o que me deixou mais feliz: saber que finalmente iria me comunicar com as pessoas que eu amo depois de 25 dias completamente sem comunicação ou saber que iria poder tomar um banho demorado depois de ter que racionar cada gota dos meus únicos 2 banhos desse período. A saudade falou mais alto, mas, depois de conseguir um sinal de wi-fi e dar sinal de vida para todos que ficaram no Brasil, juntei minhas trouxas e tomei um banho demorado. Que sensação maravilhosa essa das coisas simples da vida que só valorizamos quando perdemos.
Após esse breve descanso, começamos a segunda parte da viagem. O extremo sul da Patagônia é um lugar impressionante. Depois de mais de 20 dias na Antártida, achei que nada mais iria me surpreender, mas vi paisagens s inacreditáveis. Os Fiordes Chilenos, como é chamada essa parte da Patagônia, são labirintos que escondem paisagens contrastantes. Ao entrar pelos canais de água desse paraíso você vai se deparar com fiordes gigantescos, cachoeiras que desembocam no mar, glaciais que derretem e deixam a água com aspecto leitoso, condores, focas, leões marinhos, baleias, golfinhos e uma infinidade de pássaros. A grande diferença desses glaciais para os da Antártida é que no entorno deles é possível ver outras cores além dos tons de branco. Ver a cor verde naquele momento me trouxe serenidade –a paisagem quase 100% branca dos últimos 25 dias já não me trazia paz.
A Patagônia era um playground para o meu companheiro de viagem Pedro Oliva, especialista em se jogar de quedas de cachoeiras com seu caiaque. Pude acompanhar a cena mais assustadora e corajosa que já havia visto na minha vida. Avistamos do veleiro uma montanha nevada que estava descongelando. Esse degelo se tornava uma enorme cachoeira de uns 400 metros que desembocava no mar. Ali não era uma de nossas paradas, mas ficamos tão enlouquecidos com aquilo que pedimos para pararmos o mais perto possível.
O capitão do veleiro nos explicou que não dava para chegar perto daquele local porque havia muitas pedras, e corríamos o risco de o barco bater nelas. Sem pensar duas vezes peguei o stand-up, e o Pedro pegou seu caiaque e fomos remando até ela. Era uma distancia considerável, e o mar não estava muito tranquilo. Como eu já não aguentava mais ficar dentro do barco, nem mesmo as condições foram um empecilho para ir.
Quando chegamos na base da montanha vimos a força daquele lugar. Pedro já parecia analisar se era possível escorregar daquela queda com seu caiaque, e eu, bestificada com aquilo, passava um rádio para o barco pedindo que viessem nos encontrar com bote e câmeras para registrar aquilo. Em menos de 10 minutos ali, a primeira avalanche de pedras de gelo quase nos atingiu e a menos de 2 metros de mim rolou uma pedra de mais um metro de diâmetro que podia ter me matado. Pedro, que estava de capacete acima de mim, gritou para que eu fosse para um lugar mais protegido.
Sem pestanejar fui um pouco mais pro lado da base da cachoeira como se estivesse segura ali. Sylvestre, nosso diretor, chegou e ficou logo impressionado, já subiu nas pedras e gelo procurando o melhor ângulo para filmar aquilo enquanto Pedro se preparava pra escorregar de um ponto mais “possível” da montanha. Mais uma avalanche de pedras de gelo os atingiu. Dessa vez eram menores, mas em maior quantidade, acertando Pedro e Sylvestre. Acho que foi a primeira vez dessa viagem que vi meu diretor com medo.
Após o susto, aguardei na base da cachoeira a cena mais insana que já presenciei: Pedro escorregava numa velocidade enorme enquanto eu rezava para que chegasse vivo na aterrissagem. Foi uma sensação tão intensa que eu chorava e gritava ao mesmo tempo depois de ver que ele estava vivo ali. A adrenalina era tanta que tirei minha roupa e mergulhei naquelas águas gélidas como se quisesse fazer parte daquela grandiosidade da natureza. De biquíni, ainda voltei ao barco remando no meu SUP uma distância grande, como se fosse um lugar tropical. Isso é parte da história dessa viagem inesquecível, mas sem dúvida é a cereja do bolo.
Fotos: Pedro França
Carioca, Karina Vela trabalha como consultora de estilo para grifes, é artista plástica, multiatleta e viaja o mundo como apresentadora do Canal Off.