*Por Caroline Domingues para a revista “BT Experience”

Todo ano a cena se repete, e só entende quem está lá dando o sangue horas a fio. Pelas montanhas que cercam a região alpina que engloba Itália, França e Suíça, hordas de corredores se deslocam em torno do Mont Blanc (a mais alta montanha da Europa, com 4.810 metros de altitude) em uma competição de 168 quilômetros percorridos numa só tacada, com um desnível acumulado (subidas e descidas) de 9.600 metros. Conhecida como Ultra-Trail du Mont-Blanc (ou UTMB), a prova leva a fama de ser uma das ultramaratonas mais complicadas do planeta e costuma definir os melhores corredores de longa distância do mundo entre seus quase 2.300 participantes.

Na última edição, em agosto do ano passado, a brasileira Fernanda Maciel cruzou a linha de chegada após 26h05min47s interruptas com um sorriso orgulhoso estampado no rosto. Não era para menos: com o resultado, ela não só conquistou o quarto lugar no ranking feminino da prova como fechou a primeira edição do circuito mundial de ultramaratonas da história na vice-liderança, atrás apenas da catalã Núria Picas. A mineira foi ainda a única brasileira, entre homens e mulheres, a cravar o nome do país entre os “Top 10 ultra-atletas”. “Não nasci em local de montanha e só eu sei quanto foi difícil conciliar trabalho, treinos e problemas pessoais para disputar provas tão longas, duras e distantes de casa. Ser brasileira é ter muita raça, é ser alegre e humilde perto da grandeza das montanhas”, comenta ela sobre o resultado.

Manu Vilaseca

Criado em janeiro de 2014, o circuito mundial de corrida de longa distância nasceu como uma resposta para aquilo que a maioria das pessoas já havia percebido: as ultramaratonas (qualquer competição que tenha mais de 42 quilômetros) têm atraído uma legião cada vez maior de participantes – principalmente aquelas realizadas em terrenos off road. Batizado como Ultra-Trail World Tour (UTWT), o torneio é composto de dez provas, todas consagradas do calendário mundial e com mais de 100 quilômetros cada uma, passando por Américas, Ásia, África, Europa e Oceania. Além do tradicionalíssimo Ultra-Trail du Mont-Blanc, faz parte da lista a Western States 100-Mile Endurance Run, que acontece na ensolarada Califórnia, nos Estados Unidos, e foi a primeira ultramaratona do mundo, nascida ainda em 1973. A Marathon des Sables (no Marrocos), em pleno deserto do Saara, também figura entre os nomes, apesar de ter um formato diferente das outras, com seus 240 quilômetros percorridos em seis etapas autossuficientes (cada corredor leva sua própria comida e equipamento). Ao lado de Fernanda na disputa pelo título do UTWT deste ano está a brasileira Manuela Vilaseca. Aos 36 anos de idade, a carioca é (até o fechamento da edição de novembro da revista) a brasileira mais bem colocada no ranking feminino e terminou no quinto lugar da Transgrancanaria 2015, mais uma prova do torneio, com 123 quilômetros percorridos pela Espanha.

Outro circuito de ultramaratona tão pesado quanto o UTWT é o 4 Deserts. O desafio é composto de quatro provas nos desertos do Atacama (Chile), de Gobi (China), do Saara (norte da África) e da Antártica. Cada uma dura sete dias e conta com um percurso de 250 quilômetros. Os desafios são perrengues impressionantes e os corredores precisam ser autossuficientes durante o percurso, carregando o que precisam nas costas. A organização disponibiliza água e uma barraca por competidor, além de equipe médica. Em 2012, o bombeiro espanhol Vicente Juan García Beneit tornou-se, aos 36 anos, o primeiro atleta da história a vencer as quatro competições em um único ano.

Para poder se inscrever em competições como estas, os corredores recreativos — se é que o termo se aplica quando o “recreio” tem mais de 100 quilômetros — precisam cumprir alguns pré-requisitos, como conquistar a pontuação em provas classificatórias pelo mundo. É o caso do El Cruce Columbia, a mais almejada disputa, em que os atletas vão do Chile à Argentina pelas inóspitas montanhas da Cordilheira dos Andes. O caminho de 100 quilômetros é dividido em três dias e pode ser percorrido sozinho ou em dupla. Os corredores dormem em barracas em acampamentos montados pela organização do evento em plena região andina e precisam enfrentar temperaturas que vão de 25°C a -7°C em poucos minutos.

Manu Vilaseca comemora

NO BRASIL

Se mundo afora as ultramaratonas de corrida são parte de um assunto até que bastante popular, no Brasil, o “país do futebol”, elas vêm chegando de mansinho (mas para ficar). A BR 135 é um exemplo disso. Criado em 2004, esse desafio é conhecido internacionalmente não só por seus duros 217 quilômetros de distância, percorridos pelas serras de Minas Gerais e território paulista, mas também porque quem cruza a linha de chegada carimba o passaporte para participar da Badwater 135, uma das mais exigentes competições do mundo e que rola no calor extremo do Vale da Morte, na Califórnia (EUA).

Em 2014, o organizador do evento anunciou que lançaria, ainda em 2015, a primeira edição da BR 135 +, uma prova mais longa e difícil — se é que é possível. Aconteceu mesmo! Nesse novo desafio, são 281 quilômetros, indo de São João da Boa Vista até Campos de Jordão, em São Paulo. Os corredores ainda têm que passar pela “Subida do Quebra-Perna”, que só pelo nome já da para imaginar o que vem pela frente. O brasileiro Márcio Villar foi o primeiro atleta do mundo a completar a Double Brasil 135 (correr de trás para a frente e depois fazer o percurso no sentido original com os outros corredores). “O que me motiva sempre é fazer algo que nunca ninguém fez”, diz Márcio, que trabalha como palestrante e continua dobrando ou triplicando a distância de corridas pelo planeta. Ainda no Brasil, o surgimento da Indomit Costa Esmeralda também retrata o crescimento da modalidade. O carioca Iazaldir Feitoza foi o grande vencedor desse desafio que percorreu 100 quilômetros e passou por Bombinhas, Porto Belo e Itapema, sul do país. O moço ainda carrega no currículo participações importantes no Circuito X Terra, que acontece pelo Brasil, e em outras tantas provas internacionais.

OS MELHORES CIRCUITOS

Conheça algumas das ultramaratonas que acontecem no Brasil e no mundo

Marathon des Sables (Deserto do Saara, Marrocos) – 240 km
Ultra-Trail du Mont-Blanc (França, Itália, Suíça)  – 168 km
El Cruce Columbia (Chile e Argentina) – 100 km
XTerra Brazil (Ilhabela, SP – Brasil) – 50 e 80 km (há também a opção de corridas mais curtas: 7 km e 21 km)
Indomit Costa Esmeralda Ultra Trail (Bombinhas, SC – Brasil) – 100 km

 

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