É bem comum as pessoas ficarem espantadas quando descobrem que sou uma atleta daquelas com uma rotina de treino intensa e alimentação bastante rigorosa. E mais ainda quando ficam sabendo que viajo pelo mundo disputando campeonatos mundiais e enfrentando os melhores ciclistas paralímpicos.

Parece que o fato de ser cadeirante ainda é uma grande limitação. Mas eu encaro isso numa boa e até dou risada. Ah, tem também aqueles que supervalorizam o lance da superação e do exemplo de vida. A essa galera, eu agradeço e fico muito feliz em ser fonte de inspiração, mas melhor eles não ficarem sabendo que sou tão normal como qualquer um, com meus dias de preguiça, desânimo e até aqueles em que mato uns treinos também.

Eu sou a Jady Malavazzi, tenho 20 anos e, desde 2011, sou atleta de ciclismo paralímpico (provas de estrada e contra-relógio). Mas eu não nasci assim. Quer dizer, talvez já tenha nascido com essa vontade de ser atleta e praticar esportes. Mas tudo mudou em 2007 quando sofri um acidente automobilístico grave.

A história foi que o motorista dormiu ao volante, invadiu a pista contrária em alta velocidade e só parou quando colidiu no carro em que eu e minha mãe estávamos.

Depois de passar mais de 60 dias no hospital (15 deles na UTI), várias cirurgias e complicações, voltei para casa com diagnóstico de lesão medular completa, ou seja, paraplégica. Passei por um longo processo de reabilitação para saber lidar com a “nova Jady”. Realmente era tudo novo, tive que reaprender a fazer as coisas mais simples do cotidiano. Uma mudança radical de vida aos 12 anos. Isso mesmo, eu tinha só 12 anos de idade, naquela fase ótima da adolescência.

Durante a minha reabilitação, boa parte dela feita no Hospital Sarah, conheci muitos esportes e me agarrei a isso para dar a volta por cima. Pratiquei diversas modalidades e inclusive cheguei a competir no basquete em cadeira de rodas. No entanto, pela dificuldade de ir treinar em outra cidade, longe de onde eu morava e de formar uma equipe competitiva, tive que encontrar outra alternativa.

Quatro anos depois do acidente conheci o ciclismo e decidi arriscar. Mas você deve estar se perguntando: como assim ciclismo para uma menina paraplégica? A minha bicicleta é bem diferente, pois é adaptada para pedalar com as mãos. Não preciso nem dizer que adorei a handbike e comecei a treinar.

Jady Malavazzi

Quer saber o melhor dessa história? Logo na minha primeira competição já fui campeã brasileira (vou confessar que só tinha eu de mulher!), mas meu resultado foi tão bom que, naquele mesmo ano, fui convocada para representar o Brasil nos Jogos ParaPan-Americanos de Guadalajara, em 2011. De lá para cá, rodei o mundo competindo na Europa, Estados Unidos, Canadá e mesmo pelo Brasil.

Falando em Brasil, o ciclismo paralímpico está crescendo cada vez mais, já temos várias meninas competindo e não estou mais sozinha. Ainda assim sou tetracampeã brasileira e, a cada etapa da Copa Brasil, busco superar meus resultados. Eu não falei, mas em Guadalajara fui medalha de prata e com certeza foi a minha maior conquista no esporte: subir em um pódio representando meu país.

A rotina de treino realmente é bastante intensa e esse foi um dos motivos que me levaram a me mudar para Brasília no início deste ano. Essa cidade é maravilhosa para a prática esportiva e aqui consigo treinar com minha handbike na rua todos os dias na semana (meu único descanso é na segunda-feira). Além disso, tenho uma rotina de exercícios de força na Bodytech, fazendo musculação com orientação e supervisão do meu preparador físico em dois dias da semana.

Além desses treinos, pratico natação uma vez por semana também na Bodytech para ajudar no condicionamento cardiorrespiratório e alguns dias para relaxar o corpo. 

ciclismo paralimpico

Você deve estar curioso para saber quais são os próximos desafios, não é? Eu sou movida a olhar para a frente e visualizar as próximas metas. Bem, fiquem ligados que neste mês de agosto estarei disputando os Jogos ParaPan-Americanos, em Toronto. Já estou em viagem participando de etapas da Copa do Mundo e do Campeonato Mundial na Alemanha e Suíça e daqui sigo direto para Toronto, onde vou integrar mais uma vez a delegação brasileira. Emoção pura…

E também uma grande apreensão, pois, no embarque para essa grande viagem, a companhia aérea conseguiu quebrar o eixo da minha bike (uma Top End Rx Force novinha). Isso não é motivo para lamúrias, porém, pois estamos tentando resolver essa situação por aqui e ao menos conseguimos uma handbike emprestada para as etapas na Europa.

Conto bastante com o apoio e a torcida de todos vocês… Até porque o desafio não acaba aqui: ano que vem temos Rio 2016 e estaremos lá também pedalando (ou mãonalando*) em nome de cada um de vocês.

* Ninguém no ciclismo paralímpico usa essa expressão, mas quem não conhece a modalidade adora brincar com essa troca dos pés pelas mãos.
*Jady Malavazzi é atleta de Ciclismo Paralímpico, categoria Handbike H3. Prata nos Jogos ParaPan-Americanos de Guadalajara, tetracampeã brasileira (2011 a 2014) e Top 10 no ranking mundial da modalidade. Ela será a representante do Brasil nos Jogos ParaPan-Americanos de Toronto 2015 (agosto) e está pré-convocada para os Jogos Paralímpicos Rio 2016. Acompanhe a Jady nas redes sociais (@jadymalavazzi no Instagram ou sua fanpage Jady Malavazzi).