Entre os dias 20 e 23 de setembro, o atleta Mauro Chasilew participou da primeira edição da ultramaratona PT281+, de Belmonte a Proença-a-Nova, em Portugal. A corrida, que a princípio teria 281km, terminou, segundo o GPS de Mauro, 293km depois. E, dos 16 corredores solo e da única dupla que largaram na prova, apenas seis atletas cruzaram a linha de chegada. Nosso atleta foi um deles. Confira o relato de mais uma aventura do corredor:
“Beleza! Vou correr a PT281+ em Portugal.
Começam, então, os milhares de preparativos. A prova é toda orientada por GPS. Nenhuma marcação ao longo do caminho. Dá um frio na barriga, pois é a primeira vez que participo de uma corrida com GPS. Muita coisa tem que ser feita antes que a prova comece. A PT281+ é uma ultramaratona de 281km e mais um pouco. Semisuficiente. Ou seja, mochila com sistema de hidratação, kit de primeiros socorros, equipamentos obrigatórios etc.
Um apoio relativo seria oferecido pela organização da prova em 7 postos de controle. Poderíamos ter 7 sacos numerados para serem colocados em cada um desses pontos. Estratégia e logística. O que colocar em cada um dos sacos? Tênis extra? Comida, suplementos, roupas? Uma lista sem fim. Resolvi que cada saco teria um kit de comida para o próximo trecho, além de suplementos. Também um par de meias e conjunto de pilhas para as duas (obrigatórias) lanternas de cabeça e para o GPS. Coloquei tênis extras nos sacos 3, 4 e 6, pensando em utilizar apenas o que estava no saco 4.
A mochila tinha espaço para duas garrafinhas na frente e mais o Camelbak na parte de trás. Carregava comigo: hidratação, primeiros socorros, kit para bolhas nos pés, segunda-pele, corta vento, apito, canivete, GPS, celular (obrigatório), rastreador (para que pudéssemos ser acompanhados on-line), máquina fotográfica, chapéu e algum dinheiro.
Na tarde do dia 20, recebemos explicações sobre a prova e o uso do GPS. A largada seria às 23h59m, do castelo de Belmonte, cidade onde nasceu Pedro Álvares Cabral, após um jantar de confraternização.
Tudo preparado… Largamos! Fomos correndo todos juntos até a saída da cidade. E aí começamos a nos dispersar. Infelizmente, tive uma diarreia logo no início da prova. Fiquei muito enjoado e não conseguia comer.
Corri e me arrastei por um bom tempo. Ao fim de cada trecho, próximo ao posto de controle, passávamos por castelos medievais. Imagine… Chegando de madrugada… Só você e um megacastelo todo iluminado! E correndo por vielas antigas, daquelas que sempre vemos nos filmes. Incrível!
O sol parecia um maçarico em nossas cabeças. Decidi adotar uma estratégia já usada na Badwater e procurar me molhar o tempo todo. Usei sistemas de irrigação, bicas, fontes, sempre procurando diminuir a temperatura do corpo. Resolvi parar para dar uma dormida no posto de controle 3, em Penha Garcia, depois de uns 120km de prova, onde já estavam descansando Rui Pinho e Rui Rocha, dois portugueses que cruzavam meu caminho entre minhas idas e vindas até os arbustos. 😉
Perguntaram-me se eu iria com eles. Disse que iria descansar um pouco mais. Eles me avisaram que me esperariam para irmos juntos. Mais uma das surpresas das ultramaratonas. Nem os conhecia. Mas viram que eu estava debilitado e me deram a maior força!
Enquanto nos preparávamos para sair, começou a chover granizo. Por sorte estávamos abrigados. Caso estivéssemos lá fora, teríamos passado por um grande sufoco!
Passamos a correr juntos e melhoramos nosso ritmo. Em alguns momentos, parávamos por cerca de 20 minutos para dar uma descansada numa boa sombra. Mais à frente, encontramos o argentino Gonzalo, sofrendo com seus pés cheios de bolhas. Convidamos ele para que fosse conosco. Passamos a funcionar como uma equipe. Uma boa equipe. Aumentamos ainda mais o nosso ritmo.
De vez em quando, passava um carro da organização. Nos ofereciam água, refrigerante e, eventualmente, frutas. E informavam sobre o andamento da prova. Soubemos que estavam tendo muitos abandonos. Ainda mais a frente, encontramos o brasileiro Delino, que infelizmente estava tendo problemas com o uso do GPS. Delino nos acompanhou por um tempo, mas acabou tendo que sair da prova.
Continuamos em nosso quarteto até a base de apoio 5, em Lentiscais, onde comemos e combinamos de dormir um pouco. Já tínhamos percorrido cerca de 200km. Rui Rocha e o Gonzalo não conseguiram adormecer e decidiram seguir em frente. O Rui Pinho ficou me esperando. Agora só faltavam uns 80km. Eu disse só?
Continuamos em dupla. Descobri que o Rui Pinho tinha sido fumante e chegado a pesar 137kg, quando resolveu voltar para a vida. Abandonou o cigarro, começou a caminhar… partiu para as corridas e… estava prestes a completar uma ultra de quase 300km! Decididamente iria acompanhá-lo com muita honra até a linha de chegada. E assim fomos. Correndo, andando, catando figos, ameixas, pêssegos e outras frutas ao longo do percurso e nos divertindo.
Fomos. Fomos. E chegamos após 63h50m. Apenas seis terminaram essa primeira edição da PT281+. E que edição! Meu GPS marcava 293km!
As ultramaratonas são provas riquíssimas. Apesar de a distância assustar, o ritmo de prova é mais lento, o que nos permite contemplar uma natureza exuberante, conversar, fazer amigos e dar valor às maravilhosas coisas simples da vida.
Parabéns aos organizadores incansáveis da Horizontes e aos amigos de jornada.
Nos vemos nos caminhos.”
Quer assistir ao vídeo da prova? Vá aqui.
Mauro Chasilew é professor de Educação Física e empresário. Participa de provas longas de corrida de aventura desde 2003 e de ultramaratonas desde 2007, entre elas, a corrida de aventura na Patagônia Chilena, com 1.112km.